quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Qual dos candidatos debateu nos jornais o relacionamento da Universidade com a Sociedade?

Ei! Você conhece a série de artigos sobre o Tema A Fábrica de Saberes? Veja este exemplar:


FÁBRICA DE SABERES
Diversidade na Universidade

Quando se fala de diversidade em universidades, pensa-se logo no assunto das cotas raciais, índios ou negros, para acesso facilitado a instituições públicas; um tema responsável nos últimos anos por muitas controvérsias, mas nem sempre debates acadêmicos informados suficientemente por disciplinas que pudessem dirimir cientificamente a situação.

Afinal, pergunta-se, podemos empregar as nossas disciplinas e as nossas categorias de pensamento regularmente para direcionar o viver de qualquer comunidade economicamente distinta no País?

Claro que, por se tratar eminentemente de um tema político, logo por opiniões informadas por paixões contingentes, a velha questão da diversidade étnica confunde-se com a da diversidade cultural, sendo pacata e tangível apenas a variável econômica.

Diga-se ainda que política somente é ciência quando enfoca o passado e não a prática do dia-a-dia ou do futuro devir. Juridicamente, é lógico que possamos orientar a legislação para melhorar, englobar, dirigir, digerir ou isolar qualquer grupo social no interior do espaço jurisdicional soberano brasileiro.

Mas a questão nem sempre é esta. Algumas perguntas posteriores surgem: O grupo social alcançado deseja esta diferenciação? As empresas, as famílias e a sociedade como um todo são beneficiárias dessa discriminação positiva?

A Universidade do Estado do Amazonas (UEA), como se sabe, utiliza regularmente categorias étnicas e administrativas para circunscrever o ingresso de alunos à instituição: índios e amazônidas têm cotas de preferência sobre os demais, igualizados.

(A Universidade Federal de Rondônia debateu este tema, porém, apesar da força de pessoas engajadas como a professora Josélia, não obtivemos qualquer avanço nos últimos três anos.)

Na terça-feira 20, no Centro de Artes da UFAM (CAUA), antropólogos e outros especialistas de diversas origens e vínculos –acadêmicos e ideológicos–, discutiram problemas da identidade indígena, em abordagens plurais, deixando no núcleo do evento a pesquisadora Manuela Carneiro da Cunha, formada em Matemática em Paris e em Antropologia Social, de profunda formação humanística.

Os antropólogos, de modo geral, procuram há décadas alinhavar razões que desconstruam, na mentalidade popular (e na política, sobretudo), a idéia de que o mundo humano é cartesiano, monocromático e unificado, dando vez à sábia dedução de que os Estados como conjunto de pessoas e comunidades são complexos, pulverizados, coloridos e mesmo variegados em cada cor identitária e em cada localismo regional, de fato hoje uma parcial realidade, fática e jurídica, pouco questionada.

A discussão no CAUA girou em torno dos direitos (econômicos e outros) gerados pela Convenção da Diversidade Biológica, reafirmadora de princípios da soberania, de patentes lastreadas em legitimidade mais ampla que a posse e na repartição de benefícios aos proprietários da diversidade, indígenas e outros grupos.

Sabe-se que o Brasil é o mais megadiverso de todos e o Estado do Amazonas o maior depositário destes recursos. Porém, qual a disciplina destacada para estudar esta realidade? De quem será a posse e a quem serão repartidos os resultados dos usos dos megarrecursos?

Manuela publicou nos idos de 1978, pela Hucitec, São Paulo, uma obra, Os Mortos e os Outros (esqueci de recolher no meu exemplar o seu autógrafo!), em uma coleção denominada Linguagem, portanto submetida já naquele tempo à crença de que as Ciências Humanas devam ser satélites do estudo das Letras –muito embora a deriva epistemológica da atualidade nem sempre confirme esta realidade tão antiga quanto eterna.

Hodiernamente, a legislação e os mercados, especialmente no Amazonas, já reverenciam a construção econômica regional diferenciada e assim queiram reconstruir uma realidade regional-global cambiante. Nada mais lógico que a Universidade se abra para fundar cientificamente as identidades e portanto daí a propriedade dos benefícios a partir da simples existência no entorno da construção do conhecimento tradicional.

Identidade com liberdade

Claro que a idéia matriz e motriz do Estado moderno, Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Unidade, desde 1789, mereceu admissão filosófica absoluta no Brasil até a consolidação da sua gestão territorial política plena. Hoje em dia, contudo, mercados abrindo porosidades de modo ameaçador (pensemos no caso da invasão dos produtos chineses), faz-se necessário pensar em outros conceitos que permitam a defesa das empresas, da economia e da sociedade como um todo: as fronteiras estão cada vez menos adstritas ao controle alfandegário (e pensemos agora na internet e nos produtos audiovisuais e no direito autoral).

Identidade particularizada com liberdade de decisão no seu espaço jurisdicional infraestatal, conforme o seu diferencial idiossincrático comunitário, está chamado a ser o mentor da nova igualdade e o construtor da nova fraternidade. E o estudo particularizado das variedades do idioma e do viver será o centro do debate em defesa das nossas legislações particulares.

Manuela, na sua obra supracitada, analisou a noção de pessoa entre os índios Krahó e concluiu haver uma lealdade titubeante na linhagem genealógica, percebendo-se aquela sociedade fundamentalmente como uma "sociedade de vivos", derivando-se conflitividade na presença-ausência dos mortos, uma vez que há exigência de descontinuidade social.

Podemos inferir daí que também o emprego, pela sociedade brasileira comum, da categoria de descendência, aparentemente simples, nem sempre pode ser aproveitado a uma complexidade maior que a nossa, como é o caso de muitas das comunidades indígenas.

Sendo o Brasil de hoje um país de tod@s, como diz o refrão do governo, admitir a velha conceituação de unidade na diversidade será preguiça indecorosa para com a ciência e para com a política. Estudar a diversidade para além da unidade, recuperar as identidades, realçar a necessidade de igualização, mais que nada contribuirá para a maior liberdade de cada um.

Saber portanto se os grupos sociais desejam diferenciar-se no interior dos Estados é um papel não apenas da Antropologia, ciência alçada presentemente ao topo da consideração dirigente na pirâmide dos estudos acadêmicos (como ontem foi a Economia e em seguida a Sociologia), mas é sim uma tarefa de cada disciplina, da Matemática à Biologia, das Letras à Administração, e dever de cada um de nós, leitores –e portanto formadores da opinião informada, embora nem por isso menos apaixonada.

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